Ao apagar dos refletores do Morumbi às 20h45, sabíamos que as próximas horas seriam inesquecíveis. Como que num aceno para aqueles que acompanham a banda mais de perto, o Pearl Jam abriu o show com duas músicas pouco conhecidas do grande público: Long Road e Of the Girl.
E, não diferente do esperado, já antes da terceira música, Vedder recita um forte texto de sua autoria sobre os recentes atentados na capital francesa, seguido de Love Boat Captain – uma canção sobre a necessidade urgente do amor entre humanos –, Do the Evolution – um manifesto contra a ganância e a violência – e Hail, Hail – uma celebração do amor entre um casal. Dali em diante, percebemos qual seria o fio narrativo condutor da noite.
Ao chegar a Lightning Bolt, os deuses pintaram o céu de vermelho, complementando a decoração principal do palco, e começou a relampejar e ventar de maneira assustadora, fazendo Vedder soltar um “What the fuck?!”. O show teve que ser interrompido por algum tempo e, enquanto algumas medidas de segurança eram tomadas, Vedder tocou Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town em voz e violão, de improviso. Algo que não impediu a produção de também improvisar um esquema de luzes para a música, aumentando, por exemplo, a intensidade da iluminação do público no momento em que Vedder canta: “I just want to scream, hello!”.
E, cabe salientar, a produção do show é sutil e espetacular. A estratégia de iluminação, na entrada dos músicos em palco, usa de luzes traseiras que ressaltam suas silhuetas e não permitem que seus rostos fiquem diferenciáveis, aumentando a expectativa do público. As imagens no telão começam em tons cinzas que se valem de efeitos de frame rate reduzido produzindo resultados interessantes; à meia altura do show, tornam-se coloridas e trazem uma fotografia em tons quentes, auxiliada pelas luzes amarelas de ataque frontal aos artistas.
Com Given to Fly, uma surpresa ocupou os telões: imagens aéreas do público entrando no estádio antes do show, captadas por um drone, numa espécie de câmera subjetiva mostrando o ponto de vista do eu lírico da canção - a inserção das imagens coincide com os altos da música.
Na volta para o primeiro bis, a sequência mais intimista e o ponto alto do show. A saudosa Footsteps, seguida por um lindo cover de Imagine e a recente Sirens. Antes de executar a canção de Lennon, Vedder comenta novamente sobre os atentados, pontuando como nos estimulam a seguir nosso sonhos quando somos jovens e o quanto é triste que por vezes esses sonhos se relacionem a machucar pessoas. Ao iniciar a música, o estádio é tomado por luzes pontuais que tornam o momento memorável, juntamente com o grande desempenho da voz de Vedder. A câmera, que realizava um travelling ao longo do público, subitamente estaciona ao encontrar um celular com a bandeira da França em sua tela, enquanto a letra da canção nos lembra de como poderíamos viver em paz, compartilhando o planeta como cidadãos globais.
Quando são cantados os versos de Sirens: “It's a fragile thing, This life we lead, If I think too much, I can get over. Whelmed by the grace, By which we live our lives, With death over our shoulders”, não pude deixar de lembrar o quanto é triste termos que nos habituar com a morte de seres humanos causadas, direta ou indiretamente, por outros seres humanos – seja o terrorismo na França, a violência dos monges budistas no Sri Lanka e Myanmar, a fome na África ou o descaso de megaempresários no Brasil.
A dupla Blood e Porch encerra então o primeiro bis em alto e bom Rock & Roll, enquanto prometia o fim que se aproximava. E não por menos.
O segundo bis foi aberto com Comatose, seguida de alguns hits de início de carreira: State of Love and Trust, Black, Alive, Rockin’ the Free World e Yellow Ledbetter – as três últimas já com os refletores acesos, numa longa despedida de mais uma passagem da banda por terras latino-americanas. Ao encerrar a última música, a banda notou que o público não pretendia deixar o estádio tão facilmente. Se entreolharam e resolveram tocar uma saideira não prevista: All Along the Watchtower, aumentando um setlist que já era gigantesco. Antes de sair do palco, Eddie ainda proferiu algumas palavras sobre os atentados e confessou como a banda estava apreensiva em realizar um show no dia seguinte às tragédias e sobre a necessidade de exercemos mais a capacidade de empatia e amor ao próximo.
Assim, o Pearl Jam mostrou todo o seu potencial como veteranos do Rock & Roll que são, trazendo músicas ‘lado-b’ para os fãs mais inveterados, hits explosivos para o grande público e energia de sobra para todos.
E, mais importante do que tudo isso, uma celebração de arte e amor.
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