sábado, 9 de abril de 2016

A FALTA DE REFERÊNCIAS INTELECTUAIS EM TEMPOS DE REDES SOCIAIS

Não me considero especialmente inteligente. Antes de estabelecer posições e opiniões, procuro pesar argumentos e fatos de maneira demorada. Mas não somente.

Considerando-se a vasta quantidade de informações disponíveis hoje em dia na internet e a facilidade de acesso, acho essencial que se tenha algumas referências intelectuais: pessoas cujas ideias e argumentações costumam vir munidas de robustez teórica, senso crítico e inteligência.

Obviamente, não há necessidade de consonância entre ideologias – posso admirar imensamente a argumentação de alguém sem concordar com um só ponto do que disser.

E aqui entra o velho sofisma do “ouvir os dois lados” antes de se posicionar. Ponderação que se mal usada leva a discussões sobre pontos absurdos. Não é porque exista quem negue o holocausto que essa opinião deva ser levada em consideração numa discussão séria, por exemplo (sim, juro que existe gente assim).

O simples fato de alguém ter uma opinião não faz com que essa posição seja relevante.

Além disso, o fato de existirem opiniões nos extremos de um espectro não torna a questão polarizada. Como insistem em apontar sobre o atual campo de discussões políticas no Brasil (um paralogismo). No caso do processo de impeachment, por exemplo, quem cria a falsa impressão de polarização são apenas as minorias de opiniões extremadas e, principalmente, aqueles que não se posicionam em relação ao golpe. Dessa forma é mais fácil aceitar sua apatia frente a um suposto cenário polarizado, já que seu posicionamento ganha uma roupagem frágil de “aquele que não se entrega a excessos de julgamento”.

O que torna um cenário polarizado não é o número de defensores de certa posição, e sim, a relevância argumentativa de diferentes posições em relação a uma mesma questão.

Não se engane: em relação à relevância da opinião, o posicionamento ideológico do opinante pouco importa. Muito mais importante é seu histórico, seus argumentos e a relação desses com os fatos, além de sua propriedade para discutir o tema proposto.

Assim como também pouco importa o posicionamento ideológico dos veículos de comunicação (o que não é sinônimo de que não devam se posicionar). Antes disso, há seus históricos, a qualidade textual, a seriedade na apuração e divulgação dos fatos, a relevância jornalística.

O que é estranho nisso tudo é que a maior facilidade de acesso à informação parece não ter provocado um maior acesso ao conhecimento. O campo de referências se tornou muito mais difuso, dificultando um amadurecimento intelectual nesse ambiente virtual.

E como é triste constatar que parece ocorrer uma lenta substituição de referências intelectuais com o passar do tempo. Pessoas com propriedade para debater questões dentro de seus campos de domínio estão tendo seus discursos progressivamente colocados frente a frente com opiniões pouco embasadas e vindas de pessoas com preparo insuficiente.

Note, por exemplo, como a idade de opinantes de sucesso em diversos campos tem caído. Não que isso seja necessariamente um mau sinal.  O problema em si é a linha de argumentação (ou ausência desta) de discursos densamente propagados via internet, recorrentemente partindo de jovens.

Normalmente, discursos que aí se enquadram contêm um ou mais desses três pontos:

- fuga retórica (tratar o rebuscamento linguístico como sinônimo de relevância de fala, ou seja, confundir forma e conteúdo);
- questionamento das premissas básicas das questões baseado em desconhecimento histórico e de causa (“o feminismo é realmente necessário?”; “existe, de fato, racismo no Brasil?”);
- e, principalmente, argumentos que não se debruçam sobre as questões centrais do tema em pauta (“há um óbvio golpe em curso no Brasil”, “ah! Mas um partido com tantos escândalos de corrupção não pode continuar no poder”).

Algumas pessoas e meios de comunicação que estão aí enquadrados e que considero especialmente nocivos à saúde mental: Felipe Neto, Pirula, Rodrigo Constantino, Ano Zero, Brasil 247, Rafinha Bastos, Luiz Felipe Pondé, Universo Racionalista, PC Siqueira, Ricardo Noblat, Instituto von Mises, Arnaldo Jabor. Isso para não citar os caricaturais Olavo de Carvalho, Kim Kataguiri e Paul Joseph Watson.

E a gravidade da divulgação massiva de discursos desse tipo se assenta no seguinte fato: a redução do nível global de discussão. E com essa redução vem o desvio de foco.

Ao invés de se discutir maneiras de reagir frente a um dos congressos mais conservadores da nossa história, discute-se se esse mesmo congresso tem propriedade para articular um processo de impeachment.

Ao invés de se discutir formas de legalização da maconha, discute-se sua suposta nocividade e uma possível descriminalização.

Ao invés de se discutir como pressionar a gestão de Dilma para guinar à esquerda e rumo aos interesses do povo, discute-se a existência de um atentado à democracia.

Ao invés de se discutir maneiras de se ampliar a adoção de filhos por casais gays, discute-se a validade do casamento entre pessoas que se amam.

Ao invés de se discutir a desmilitarização da polícia, discute-se a validade do linchamento de cidadãos.

Os exemplos são numerosos.

Mas, por outro lado, há quem se destaque positivamente nesse cenário. E, se você chegou até aqui, deve estar curioso para saber sobre as minhas referências intelectuais. Com todo prazer. Algumas de diversos campos do conhecimento:

Noam Chomsky, Leonardo Boff, Marilena Chauí, Chico Buarque, Rodrigo Amarante, Luis Fernando Verissimo, Lúcia Fantinel, Eliane Brum, Louis CK, Marcos Bagno, João Moreira Salles, Márcia Tiburi, Glenn Greenwald, Kip Thorne, Marcelo Rubens Paiva, Vladimir Safatle, Werner Herzog, Tariq Ali, Luiz Carlos Merten.

Quais as suas?


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