sábado, 16 de abril de 2016

NADA DE NOVO NA AMÉRICA LATINA

Qual a principal motivação do processo político de impeachment em curso?

A retirada de Dilma do poder? Tornar Lula inelegível em 2018? Promover um retrocesso social no Brasil através de medidas neoliberais (privatizações, corte de programas, desregulamentações)? A mudança de rumo das investigações sobre corrupção que chegaram com toda a força em malfeitos de gestões passadas, na oposição e em quase todos os partidos?

Esses pontos são apenas coadjuvantes e, em alguns casos, consequências possíveis do processo.

A motivação central é clara: dinheiro. Ou, leia-se, o PRÉ-SAL.

Façamos um rápido exercício de ‘ligue os pontos’:

- Em 2007, o petróleo do pré-sal foi descoberto e divulgado.

- Em 2010, os vazamentos de Assange sob o nome de WikiLeaks divulgaram conversa que José Serra teve com Patrícia Padral, da Chevron, aonde disse que mudaria o esquema de exploração do petróleo para favorecer a abertura ao capital estrangeiro.

- Em 2013, Snowden divulga documentos com indícios de que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) mantinha grampos ilegais em Dilma e na Petrobras. A espionagem transcorria com a colaboração dos órgãos de inteligência do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

- Em Agosto de 2015, anuncia-se que o petróleo contido no pré-sal poderia suprir as necessidades do mundo por mais de cinco anos. Cerca de 180 bilhões de barris ou dezenas trilhões de reais.

- Em Fevereiro de 2016, a proposta de José Serra que tramitava em regime de urgência no plenário do senado revoga a participação obrigatória da Petrobras na exploração de petróleo do pré-sal.

- Após jantar com taça de vinho voando e bajulações a Temer, Serra aparece como provável integrante de um possível governo do vice-presidente.

- No documento “Uma Ponte para o Futuro” e no áudio de 15 minutos divulgado por Temer, ele sinaliza claramente aos donos do capital sua preferência por privatizações e abertura ao capital estrangeiro:

“Portanto, é fundamental realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional;” (extraído de UMA PONTE PARA O FUTURO)

“Nós temos absoluta convicção de que o estado depende dos setores produtivos. O estado brasileiro tem que cuidar de segurança, da saúde e da educação, mas o mais tem que ser entregue à iniciativa privada.” (transcrito do áudio divulgado por Temer)

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E assim funciona o imperialismo do século XXI, estratégia na qual os EUA estão se tornando especialistas. Ao invés de invadirem com seu exército os países que guardam recursos de seu interesse, faz-se a dominação de dentro pra fora, por meio do dinheiro, do poder e da imprensa.

Quando colocaram tanques e tropas no Iraque, causaram a comoção da opinião pública e enfraqueceram seu plano de dominação geopolítica. Ao se aliarem aos governos liberais dos países de interesse, como demonstrado pelo WikiLeaks, não se cria o mal-estar com a sociedade civil. E a mídia estará lá para justificar seus feitos.

Além disso, os golpes políticos ganham uma roupagem de legalidade. Nada foi tão revelador nos acontecimentos recentes quanto a Folha usar o termo "deposição constitucional" para se referir ao processo em andamento no Brasil. Exatamente o mesmo termo usado nos golpes em Honduras e no Paraguai.

Em 2009, Zelaya foi deposto da presidência de Honduras, ao ser arrancado à força de sua casa por militares e mandado para a Costa Rica.

Em 2012, quando o Congresso Nacional votou pelo impeachment relâmpago de Lugo em 48 horas, Franco foi colocado no poder – vice-presidente, do partido liberal, que havia rompido a coligação com Lugo um ano antes. (Lugo chegou a enfrentar 20 ameaças de impeachment ao longo de seu mandato).

A sequência lógica é simples: permite-se o financiamento empresarial de campanhas políticas. As empresas, nacionais e internacionais, investem em políticos em toda a estrutura representativa para que defendam seus interesses. Estes representantes de patrocinadores infestam o meio político. Abusando de seus poderes, defendem o interesse do dinheiro que o elegeu e não do povo (o povo apenas vota naquelas opções que chegam até si).

E como Cunha e seus mafiosos são espertos. Ao darem início a um rito de impeachment nas condições que deram, eles sabiam que os principais pontos da discussão pública recairiam sobre o PT e sobre a validade do processo de impeachment. Mas, para eles, problema nenhum. Afinal de contas, Cunha já tem mais poder do que os três poderes (já fez frente a todos) e muito mais poder do que Dilma. Assim, a discussão do impeachment poderia ocupar largo tempo de mídia, suficiente para não se abrirem discussões sobre o que previa o projeto pmdbista e seus apoiadores.

Com esse desvio de foco (reverberado por opinantes diversos nos meios de comunicação – os vendidos e os não vendidos), não se discutiu suficientemente o ponto central do golpe: a Petrobras e o pré-sal.

E, que fique claro: mesmo com os esquemas de corrupção que atuavam há cerca de 20 anos na empresa e, felizmente, estão sendo investigados, a Petrobras é o baluarte de resistência de nosso mais valioso recurso. É a pedra fundamental da soberania econômica nacional. Como escrevi, o valor estimado do pré-sal, por hora, alcança a quantia de dezenas de trilhões de reais.

A Petrobras, que quase se transformou em Petrobrax num governo recente, está na mira de uma privatização a preços módicos. Compare o preço de mercado dos recursos da Vale e o preço pelo qual ela foi vendida quando de sua privatização.

A madrugada será longa, mas a resistência será perpétua. Há que se suturar de uma vez por todas as veias ainda abertas da América Latina.

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