Qual a principal
motivação do processo político de impeachment em curso?
A retirada de Dilma do poder? Tornar Lula inelegível em
2018? Promover um retrocesso social no Brasil através de medidas neoliberais
(privatizações, corte de programas, desregulamentações)? A mudança de rumo das
investigações sobre corrupção que chegaram com toda a força em malfeitos de
gestões passadas, na oposição e em quase todos os partidos?
Esses pontos são apenas coadjuvantes e, em alguns casos,
consequências possíveis do processo.
A motivação central é clara: dinheiro. Ou, leia-se, o
PRÉ-SAL.
Façamos um rápido exercício de ‘ligue os pontos’:
- Em 2007, o petróleo do pré-sal foi descoberto e divulgado.
- Em 2010, os vazamentos de Assange sob o nome de WikiLeaks divulgaram
conversa que José Serra teve com Patrícia Padral, da Chevron, aonde disse que
mudaria o esquema de exploração do petróleo para favorecer a abertura ao
capital estrangeiro.
- Em 2013, Snowden divulga documentos com indícios de que a Agência
de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) mantinha grampos ilegais em
Dilma e na Petrobras. A espionagem transcorria com a colaboração dos órgãos de
inteligência do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
- Em Agosto de 2015, anuncia-se que o petróleo contido no pré-sal
poderia suprir as necessidades do mundo
por mais de cinco anos. Cerca de 180 bilhões de barris ou dezenas trilhões
de reais.
- Em Fevereiro de 2016, a proposta de José Serra que
tramitava em regime de urgência no plenário do senado revoga a participação
obrigatória da Petrobras na exploração de petróleo do pré-sal.
- Após jantar com taça de vinho voando e bajulações a Temer,
Serra aparece como provável integrante de um possível governo do
vice-presidente.
- No documento “Uma Ponte para o Futuro” e no áudio de 15
minutos divulgado por Temer, ele sinaliza claramente aos donos do capital sua preferência
por privatizações e abertura ao capital estrangeiro:
“Portanto, é
fundamental realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio
internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de
comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União
Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente
com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias
globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas
normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio
internacional;” (extraído de UMA PONTE PARA O FUTURO)
“Nós temos absoluta
convicção de que o estado depende dos setores produtivos. O estado brasileiro
tem que cuidar de segurança, da saúde e da educação, mas o mais tem que ser
entregue à iniciativa privada.” (transcrito do áudio divulgado por Temer)
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E assim funciona o imperialismo do século XXI, estratégia na
qual os EUA estão se tornando especialistas. Ao invés de invadirem com seu
exército os países que guardam recursos de seu interesse, faz-se a dominação de
dentro pra fora, por meio do dinheiro, do poder e da imprensa.
Quando colocaram tanques e tropas no Iraque, causaram a
comoção da opinião pública e enfraqueceram seu plano de dominação geopolítica.
Ao se aliarem aos governos liberais dos países de interesse, como demonstrado
pelo WikiLeaks, não se cria o mal-estar com a sociedade civil. E a mídia estará
lá para justificar seus feitos.
Além disso, os golpes políticos ganham uma roupagem de
legalidade. Nada foi tão revelador nos acontecimentos recentes quanto a Folha
usar o termo "deposição constitucional" para se referir ao processo em
andamento no Brasil. Exatamente o mesmo
termo usado nos golpes em Honduras e no Paraguai.
Em 2009, Zelaya foi deposto da presidência de Honduras, ao
ser arrancado à força de sua casa por militares e mandado para a Costa Rica.
Em 2012, quando o Congresso Nacional votou pelo impeachment
relâmpago de Lugo em 48 horas, Franco
foi colocado no poder – vice-presidente, do partido liberal, que havia rompido
a coligação com Lugo um ano antes. (Lugo chegou a enfrentar 20 ameaças de
impeachment ao longo de seu mandato).
A sequência lógica é simples: permite-se o financiamento
empresarial de campanhas políticas. As empresas, nacionais e internacionais, investem
em políticos em toda a estrutura representativa para que defendam seus
interesses. Estes representantes de patrocinadores infestam o meio político.
Abusando de seus poderes, defendem o interesse do dinheiro que o elegeu e não
do povo (o povo apenas vota naquelas opções que chegam até si).
E como Cunha e seus mafiosos são espertos. Ao darem início a
um rito de impeachment nas condições que deram, eles sabiam que os principais pontos da discussão pública recairiam
sobre o PT e sobre a validade do processo de impeachment. Mas, para eles,
problema nenhum. Afinal de contas, Cunha já tem mais poder do que os três
poderes (já fez frente a todos) e muito mais poder do que Dilma. Assim, a
discussão do impeachment poderia ocupar largo tempo de mídia, suficiente para
não se abrirem discussões sobre o que previa o projeto pmdbista e seus
apoiadores.
Com esse desvio de foco (reverberado por opinantes diversos
nos meios de comunicação – os vendidos e os não vendidos), não se discutiu suficientemente
o ponto central do golpe: a Petrobras e o pré-sal.
E, que fique claro: mesmo com os esquemas de corrupção que atuavam
há cerca de 20 anos na empresa e, felizmente, estão sendo investigados, a
Petrobras é o baluarte de resistência de nosso mais valioso recurso. É a pedra
fundamental da soberania econômica nacional. Como escrevi, o valor estimado do
pré-sal, por hora, alcança a quantia de dezenas
de trilhões de reais.
A Petrobras, que quase se transformou em Petrobrax num
governo recente, está na mira de uma privatização a preços módicos. Compare o
preço de mercado dos recursos da Vale e o preço pelo qual ela foi vendida quando
de sua privatização.
A madrugada será longa, mas a resistência será perpétua. Há
que se suturar de uma vez por todas as veias ainda abertas da América Latina.