sexta-feira, 29 de abril de 2016

SER DE ESQUERDA

Ser de esquerda não tem, necessariamente, alguma relação com socialismo, comunismo ou marxismo.

Ser de esquerda é, antes de tudo, ter como norte a melhoria do panorama social da humanidade. É enxergar nas artes, jornalismo, caridade, política, educação, conversas diárias ferramentas de transformação social.

Ser de esquerda é, também, entender que uma sociedade socialmente menos injusta tem que, obrigatoriamente, aderir a valores progressistas. É, portanto, apoiar as diversas causas de minorias políticas, como negros/negras, mulheres e LGBT.

Ser de esquerda é, além disso, tratar da saúde do coletivo da mesma forma que se trata da saúde individual. Entender que, sendo bom para nós, é bom para mim (a inversa não é verdadeira).

Ser de esquerda é votar pensando na melhoria da vida dos mais pobres, além da minha. Defender que a mão do estado seja estendida antes àqueles que precisam mais.

Ser de esquerda é colocar a vida humana acima da saúde do mercado. Sempre optar por enxergar a questão humana envolvida em todas as questões da sociedade, mesmo quando os números parecem prevalecer.

Ser de esquerda é fugir da tendência à transformar vidas humanas em números e lembrar sempre que por trás de cada número de cada estatística há uma pessoa como eu. Dotada de amor, sonhos e sofrimento. De família, carinho e erros.

Ser de esquerda é uma forma de lançar os olhos ao mundo com tolerância, solidariedade e resistência.

Ser de esquerda é querer entregar aos meus filhos um mundo melhor do que aquele que encontrei.

Ser de esquerda é ter fé na espécie humana e num futuro melhor.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

UM CONVITE À LEITURA

Os próximos passos dos golpistas são relativamente fáceis de serem traçados.

A estratégia agora será tentar a renúncia forçada da presidenta a partir da comparação massiva que a grande imprensa fará entre o seu processo de impeachment e aquele de Fernando Collor. Aqui, temos que nos atentar para três fatos relevantes: (i) Collor não sofreu impeachment, mas renunciou frente à iminente condenação. Além disso, não tinha apoio popular e via toda a classe estudantil contra si. (ii) A consistência do processo contra Collor era expressiva. Existiam provas contundentes de uso de corrupção passiva para enriquecimento pessoal. (iii) O processo contra Collor tinha requisitos legitimadores e foi conduzido de maneira legítima (o presidente da câmara não era um réu no STF, por exemplo).

Posteriormente, a principal manobra será desmontar as figuras histórica, política e feminina de Dilma.

Em relação ao primeiro, exaltarão os roubos de banco e assassinatos dos quais Dilma possivelmente foi cúmplice. Sim, foi cúmplice para que hoje a democracia pudesse existir e eu possa estar aqui escrevendo e divulgando esse texto (e você possa estar aí do outro lado lendo e discordando o quanto quiser). Contra terrorismo de estado, a solução sempre foi guerrilha.

Sobre a figura política, os mesmos (já velhos) ataques ao governo petista serão bradados, como se isso tivesse qualquer relação com o processo de impeachment. Sim, também quero muitas mudanças no governo federal, mas em 2018 e nas urnas.

Em relação à sua feminilidade, o panfleto político semanal dos economicamente privilegiados e intelectualmente defasados já nos deu pistas do que está por vir: o contraste entre a figura de Marcela Temer e Dilma. Se bela, recatada e ‘do lar’ são elogios, as palavras me faltam para me referir a alguém que, após ter sido brutalmente torturada a mando de um animal que enfiava outros animais nas vaginas de suas prisioneiras, ascendeu à presidência do Brasil por duas vezes. Ou para me referir a Amelinha Teles, que foi torturada pelo mesmo animal na frente de seus filhos de quatro e cinco anos, Edson e Janaína, e hoje integra a Comissão da Verdade de São Paulo.

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Agora, a única saída é as ruas. Primeiro de maio presenciará um grande episódio na história de nossa jovem democracia.

Se ainda tem dúvidas quanto a se juntar à defesa do estado democrático, faço um convite: leia o projeto de governo do PMDB, Uma Ponte Para o Futuro.


E não tenhamos vaidade intelectual. Mudar de opinião a qualquer altura não é sinal de incoerência e sim de caráter.

Sabe aquelas fotos nas quais você via jovens lutando contra o golpe de 64 e sentia orgulho por ter alguns deles em sua família? Sabe aquela vontade de fazer história? É chegada a hora.

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Caso queira acompanhar as próximas movimentações em favor da democracia, sugiro as duas frentes populares: POVO SEM MEDO e FRENTE BRASIL POPULAR.

https://www.facebook.com/povosemmedonacional/
https://www.facebook.com/FrenteBrasilPopular/


Procure também as frentes e movimentações de sua empresa, escola, universidade ou instituição.

sábado, 16 de abril de 2016

NADA DE NOVO NA AMÉRICA LATINA

Qual a principal motivação do processo político de impeachment em curso?

A retirada de Dilma do poder? Tornar Lula inelegível em 2018? Promover um retrocesso social no Brasil através de medidas neoliberais (privatizações, corte de programas, desregulamentações)? A mudança de rumo das investigações sobre corrupção que chegaram com toda a força em malfeitos de gestões passadas, na oposição e em quase todos os partidos?

Esses pontos são apenas coadjuvantes e, em alguns casos, consequências possíveis do processo.

A motivação central é clara: dinheiro. Ou, leia-se, o PRÉ-SAL.

Façamos um rápido exercício de ‘ligue os pontos’:

- Em 2007, o petróleo do pré-sal foi descoberto e divulgado.

- Em 2010, os vazamentos de Assange sob o nome de WikiLeaks divulgaram conversa que José Serra teve com Patrícia Padral, da Chevron, aonde disse que mudaria o esquema de exploração do petróleo para favorecer a abertura ao capital estrangeiro.

- Em 2013, Snowden divulga documentos com indícios de que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) mantinha grampos ilegais em Dilma e na Petrobras. A espionagem transcorria com a colaboração dos órgãos de inteligência do Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.

- Em Agosto de 2015, anuncia-se que o petróleo contido no pré-sal poderia suprir as necessidades do mundo por mais de cinco anos. Cerca de 180 bilhões de barris ou dezenas trilhões de reais.

- Em Fevereiro de 2016, a proposta de José Serra que tramitava em regime de urgência no plenário do senado revoga a participação obrigatória da Petrobras na exploração de petróleo do pré-sal.

- Após jantar com taça de vinho voando e bajulações a Temer, Serra aparece como provável integrante de um possível governo do vice-presidente.

- No documento “Uma Ponte para o Futuro” e no áudio de 15 minutos divulgado por Temer, ele sinaliza claramente aos donos do capital sua preferência por privatizações e abertura ao capital estrangeiro:

“Portanto, é fundamental realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional;” (extraído de UMA PONTE PARA O FUTURO)

“Nós temos absoluta convicção de que o estado depende dos setores produtivos. O estado brasileiro tem que cuidar de segurança, da saúde e da educação, mas o mais tem que ser entregue à iniciativa privada.” (transcrito do áudio divulgado por Temer)

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E assim funciona o imperialismo do século XXI, estratégia na qual os EUA estão se tornando especialistas. Ao invés de invadirem com seu exército os países que guardam recursos de seu interesse, faz-se a dominação de dentro pra fora, por meio do dinheiro, do poder e da imprensa.

Quando colocaram tanques e tropas no Iraque, causaram a comoção da opinião pública e enfraqueceram seu plano de dominação geopolítica. Ao se aliarem aos governos liberais dos países de interesse, como demonstrado pelo WikiLeaks, não se cria o mal-estar com a sociedade civil. E a mídia estará lá para justificar seus feitos.

Além disso, os golpes políticos ganham uma roupagem de legalidade. Nada foi tão revelador nos acontecimentos recentes quanto a Folha usar o termo "deposição constitucional" para se referir ao processo em andamento no Brasil. Exatamente o mesmo termo usado nos golpes em Honduras e no Paraguai.

Em 2009, Zelaya foi deposto da presidência de Honduras, ao ser arrancado à força de sua casa por militares e mandado para a Costa Rica.

Em 2012, quando o Congresso Nacional votou pelo impeachment relâmpago de Lugo em 48 horas, Franco foi colocado no poder – vice-presidente, do partido liberal, que havia rompido a coligação com Lugo um ano antes. (Lugo chegou a enfrentar 20 ameaças de impeachment ao longo de seu mandato).

A sequência lógica é simples: permite-se o financiamento empresarial de campanhas políticas. As empresas, nacionais e internacionais, investem em políticos em toda a estrutura representativa para que defendam seus interesses. Estes representantes de patrocinadores infestam o meio político. Abusando de seus poderes, defendem o interesse do dinheiro que o elegeu e não do povo (o povo apenas vota naquelas opções que chegam até si).

E como Cunha e seus mafiosos são espertos. Ao darem início a um rito de impeachment nas condições que deram, eles sabiam que os principais pontos da discussão pública recairiam sobre o PT e sobre a validade do processo de impeachment. Mas, para eles, problema nenhum. Afinal de contas, Cunha já tem mais poder do que os três poderes (já fez frente a todos) e muito mais poder do que Dilma. Assim, a discussão do impeachment poderia ocupar largo tempo de mídia, suficiente para não se abrirem discussões sobre o que previa o projeto pmdbista e seus apoiadores.

Com esse desvio de foco (reverberado por opinantes diversos nos meios de comunicação – os vendidos e os não vendidos), não se discutiu suficientemente o ponto central do golpe: a Petrobras e o pré-sal.

E, que fique claro: mesmo com os esquemas de corrupção que atuavam há cerca de 20 anos na empresa e, felizmente, estão sendo investigados, a Petrobras é o baluarte de resistência de nosso mais valioso recurso. É a pedra fundamental da soberania econômica nacional. Como escrevi, o valor estimado do pré-sal, por hora, alcança a quantia de dezenas de trilhões de reais.

A Petrobras, que quase se transformou em Petrobrax num governo recente, está na mira de uma privatização a preços módicos. Compare o preço de mercado dos recursos da Vale e o preço pelo qual ela foi vendida quando de sua privatização.

A madrugada será longa, mas a resistência será perpétua. Há que se suturar de uma vez por todas as veias ainda abertas da América Latina.

sábado, 9 de abril de 2016

A FALTA DE REFERÊNCIAS INTELECTUAIS EM TEMPOS DE REDES SOCIAIS

Não me considero especialmente inteligente. Antes de estabelecer posições e opiniões, procuro pesar argumentos e fatos de maneira demorada. Mas não somente.

Considerando-se a vasta quantidade de informações disponíveis hoje em dia na internet e a facilidade de acesso, acho essencial que se tenha algumas referências intelectuais: pessoas cujas ideias e argumentações costumam vir munidas de robustez teórica, senso crítico e inteligência.

Obviamente, não há necessidade de consonância entre ideologias – posso admirar imensamente a argumentação de alguém sem concordar com um só ponto do que disser.

E aqui entra o velho sofisma do “ouvir os dois lados” antes de se posicionar. Ponderação que se mal usada leva a discussões sobre pontos absurdos. Não é porque exista quem negue o holocausto que essa opinião deva ser levada em consideração numa discussão séria, por exemplo (sim, juro que existe gente assim).

O simples fato de alguém ter uma opinião não faz com que essa posição seja relevante.

Além disso, o fato de existirem opiniões nos extremos de um espectro não torna a questão polarizada. Como insistem em apontar sobre o atual campo de discussões políticas no Brasil (um paralogismo). No caso do processo de impeachment, por exemplo, quem cria a falsa impressão de polarização são apenas as minorias de opiniões extremadas e, principalmente, aqueles que não se posicionam em relação ao golpe. Dessa forma é mais fácil aceitar sua apatia frente a um suposto cenário polarizado, já que seu posicionamento ganha uma roupagem frágil de “aquele que não se entrega a excessos de julgamento”.

O que torna um cenário polarizado não é o número de defensores de certa posição, e sim, a relevância argumentativa de diferentes posições em relação a uma mesma questão.

Não se engane: em relação à relevância da opinião, o posicionamento ideológico do opinante pouco importa. Muito mais importante é seu histórico, seus argumentos e a relação desses com os fatos, além de sua propriedade para discutir o tema proposto.

Assim como também pouco importa o posicionamento ideológico dos veículos de comunicação (o que não é sinônimo de que não devam se posicionar). Antes disso, há seus históricos, a qualidade textual, a seriedade na apuração e divulgação dos fatos, a relevância jornalística.

O que é estranho nisso tudo é que a maior facilidade de acesso à informação parece não ter provocado um maior acesso ao conhecimento. O campo de referências se tornou muito mais difuso, dificultando um amadurecimento intelectual nesse ambiente virtual.

E como é triste constatar que parece ocorrer uma lenta substituição de referências intelectuais com o passar do tempo. Pessoas com propriedade para debater questões dentro de seus campos de domínio estão tendo seus discursos progressivamente colocados frente a frente com opiniões pouco embasadas e vindas de pessoas com preparo insuficiente.

Note, por exemplo, como a idade de opinantes de sucesso em diversos campos tem caído. Não que isso seja necessariamente um mau sinal.  O problema em si é a linha de argumentação (ou ausência desta) de discursos densamente propagados via internet, recorrentemente partindo de jovens.

Normalmente, discursos que aí se enquadram contêm um ou mais desses três pontos:

- fuga retórica (tratar o rebuscamento linguístico como sinônimo de relevância de fala, ou seja, confundir forma e conteúdo);
- questionamento das premissas básicas das questões baseado em desconhecimento histórico e de causa (“o feminismo é realmente necessário?”; “existe, de fato, racismo no Brasil?”);
- e, principalmente, argumentos que não se debruçam sobre as questões centrais do tema em pauta (“há um óbvio golpe em curso no Brasil”, “ah! Mas um partido com tantos escândalos de corrupção não pode continuar no poder”).

Algumas pessoas e meios de comunicação que estão aí enquadrados e que considero especialmente nocivos à saúde mental: Felipe Neto, Pirula, Rodrigo Constantino, Ano Zero, Brasil 247, Rafinha Bastos, Luiz Felipe Pondé, Universo Racionalista, PC Siqueira, Ricardo Noblat, Instituto von Mises, Arnaldo Jabor. Isso para não citar os caricaturais Olavo de Carvalho, Kim Kataguiri e Paul Joseph Watson.

E a gravidade da divulgação massiva de discursos desse tipo se assenta no seguinte fato: a redução do nível global de discussão. E com essa redução vem o desvio de foco.

Ao invés de se discutir maneiras de reagir frente a um dos congressos mais conservadores da nossa história, discute-se se esse mesmo congresso tem propriedade para articular um processo de impeachment.

Ao invés de se discutir formas de legalização da maconha, discute-se sua suposta nocividade e uma possível descriminalização.

Ao invés de se discutir como pressionar a gestão de Dilma para guinar à esquerda e rumo aos interesses do povo, discute-se a existência de um atentado à democracia.

Ao invés de se discutir maneiras de se ampliar a adoção de filhos por casais gays, discute-se a validade do casamento entre pessoas que se amam.

Ao invés de se discutir a desmilitarização da polícia, discute-se a validade do linchamento de cidadãos.

Os exemplos são numerosos.

Mas, por outro lado, há quem se destaque positivamente nesse cenário. E, se você chegou até aqui, deve estar curioso para saber sobre as minhas referências intelectuais. Com todo prazer. Algumas de diversos campos do conhecimento:

Noam Chomsky, Leonardo Boff, Marilena Chauí, Chico Buarque, Rodrigo Amarante, Luis Fernando Verissimo, Lúcia Fantinel, Eliane Brum, Louis CK, Marcos Bagno, João Moreira Salles, Márcia Tiburi, Glenn Greenwald, Kip Thorne, Marcelo Rubens Paiva, Vladimir Safatle, Werner Herzog, Tariq Ali, Luiz Carlos Merten.

Quais as suas?


sábado, 2 de abril de 2016

SOBRE JUVENTUDE E A DESCRENÇA POLÍTICA ou A GUERRA DE INFORMAÇÕES

Na política, nem sempre existem dois lados. Muitas vezes, existem apenas fatos e a maneira como vamos lidar com eles.
Eis alguns:
- Gilmar Mendes, quando na condição de presidente do STF, proibiu o delegado de investigar e impediu o juiz de julgar Daniel Dantas. Na época, antes mesmo de Mendes dar o segundo habeas corpus a Dantas, 45 procuradores e 130 juízes federais assinaram manifestos protestando contra as ações do presidente. Todo o caso foi fartamente documentado e exposto no livro Operação Banqueiro.
- Em 2007, neste mesmo caso, o delegado Protógenes Queiroz foi exonerado da polícia federal com a justificativa de ter cometido “infrações disciplinares”. O que ele havia feito? Entre outras coisas, instalação de grampos ilegais e vazamento ilegal de grampos autorizados.
- Este mesmo Protógenes, em 2003, deu início ao primeiro inquérito que levou à criação da CPI do Banestado, o maior escândalo (em valores) de evasão de divisas da história de nosso país.
- E quem foi um dos juízes responsáveis pelo caso Banestado, que foi engavetado à época sob pressão do governo FHC? Justamente. Sérgio Moro.
- Conforme entrevista do procurador Carlos Lima, da Lava jato, “na época, o governo Fernando Henrique Cardoso estava com o dólar em alta, assim como hoje, e existia uma pressão para abafar as investigações”.
- Em 2016, o mesmo Moro grampeou 25 advogados (o que constitui crime, já que conversas entre advogados e clientes são protegidas). Além disso, vazou ilegalmente outros tantos grampos (sim, o vazamento de grampos com participação de Dilma é ilegal).
- Dos integrantes titulares da comissão de julgamento do impeachment, um em cada três é alvo de acusações criminais no STF. E oito deles são réus.
- Lembrando que, caso o impeachment se conclua, o sucessor direto é Temer e o vice, na prática, é Cunha. Toda vez que Temer viajar, por exemplo, quem assume é Cunha. Em relação a estes dois, acho que não preciso argumentar sobre seus históricos.
- Para se haver impeachment nos moldes legais é necessário que haja crime de responsabilidade. A lei do impeachment, ou lei dos crimes de responsabilidade, não tipifica como crime de responsabilidade a violação da lei de responsabilidade fiscal.
- As tais pedaladas podem ser consideradas, no máximo, violação da lei de responsabilidade fiscal, mas não crime de responsabilidade. E, ainda que fossem (não são), é bom lembrar que outros 16 governadores fizeram o mesmo. Assim como Lula e FHC. Não me lembro de terem julgado os ex-presidentes por isso ou estarem pretendendo julgar também os governadores em exercício.
Posto isso tudo, estão devidamente apresentados os principais articulistas e defensores do impeachment. Tenho numerosas críticas às gestões de Dilma e ao comportamento do PT no poder. Mas a questão, no momento, se resume a: devemos nos opor a um processo de impeachment articulado por estas pessoas e nesses termos?
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O que nos traz ao posicionamento da juventude.
As palavras de ordem, em meio à parcela significativa dos jovens, são ''apartidarismo'' e ‘’imparcialidade’’. Há uma noção errônea de que caso você saia em defesa de um lado, um partido, uma causa, você tem, automaticamente, seu senso de julgamento afetado. Estima-se que o outro, ao escolher um lado, prontamente passará a defender aquele lado de forma irracional, numa constante subestimação da inteligência alheia.
Quando, na verdade, o saudável é que ocorra justamente o contrário. Numa democracia, ao pesar fatos e opiniões, é necessário, seminal, crucial que você se posicione. Principalmente em conjunturas especialmente dicotômicas, como no segundo turno das eleições ou no atual momento (a favor ou contra o impeachment), se omitir e ficar em cima do muro é postergar a dor do tombo que virá com sua iminente queda. E só a História, então, lembrará de seus lados e quem estava aonde.
Ontem, na manifestação CANTO PELA DEMOCRACIA, um conjunto de artistas se apresentou na Praça da Estação em Belo Horizonte em prol da democracia.
Mas o que mais chamou a atenção foi a quase ausência da parcela jovem da população. Nos olhos daqueles senhores e senhoras presentes era possível ler o descontentamento com a necessidade de voltarem às ruas para lutar pela democracia frente à apatia da juventude. Entre estes, era possível reconhecer educadores e educadoras, professores e professoras, acadêmicos diversos e certo desânimo.
Incomoda muito a ideia de que as instituições estão se posicionando (SBPC, ADUSP, UNICAMP, Faculdade de Direito da UFMG, ONU Mulheres), os artistas estão se posicionando (Chico Buarque, Wagner Moura, Letícia Sabatella, Caetano, Criolo, Emicida, Muylaert), a mídia internacional está se posicionando (Publico, Der Spiegel, El País, Al Jazeera, The Intercept), mas a principal força política do país, a juventude munida de informação, está inercial.
A História vai cobrar caro por esse negacionismo. A guerra que se trava, mais do que nunca, é de informação.
Mesmo que não passe o golpe de estado, o maior golpe é o estado da nossa juventude.
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Por Fábio Domeniconi, em 01/04/2016.

O maior amor do mundo

Foi dar a chance e descobri não só o amor, mas o maior amor do mundo. Contido em uma menina de pequeno porte, alcança espíritos que se escondem atrás de serras. Alcança ouvidos nunca antes usados. Alcança olhos que se quedan eternamente gratos. Ela e ele elevaram a expressão melhores amigos a outro nivel, cumplicidade tátil. Restauram a fé na espécie quando em meio a esse caos de gente. Privilégio ela me dar um pedacinho de seu mundo e proporcionar a felicidade a alguém que nunca esteve tão confortável nos bastidores do espetáculo. O protagonismo me é menor, e aqui me cuido e descuido. Ao vê-la ao meu lado pela manhã recai sobre o quarto a certeza de não precisar mais de nada. Sou pleno. A sombra que tua fronde projeta sobre mim é a mais doce que já tive a chance de me postar. Nela quero ficar até o sol cair.

SOBRE DIAS SOMBRIOS

- Uma carta “vazada”, endereçada para o Presidente, tenta desestabilizar o governo. (1)
- Tenta-se, de toda forma, convencer de que o governo de situação é o mais corrupto de toda a história. (2)
- Critica-se ferrenhamente as relações entre governos latino-americanos e tentam associar o Presidente aos governos de outros países em crise. (3)
- Parcela bem peculiar da população sai às ruas em várias manifestações demonizando o governo de situação e, em meio a essas, alguns pedem intervenção militar.
- Na falta de delitos graves, um ex-presidente é acusado de ser dono de imóvel em nome de amigo. (4)
- Um ex-governador, bon vivant no Rio de Janeiro e muito influente nos meios de comunicação, que se apresenta como principal opção em relação ao governo de situação, espera que a queda do Presidente jogue a presidência em seu colo. Tal político tem ligações familiares com figura política conhecida. (5)
- Cerca de 500 mil pessoas saem em uma manifestação em março, com participantes que vão de extremistas a desiludidos com a política, além dos macartistas de costume. Boa parte dos carros, faixas e custos da manifestação é bancada pela elite econômica (que tem braços internacionais). Claro, as cores do Brasil se espalham, de camisas a faixas e bandeiras. (6)
- Em meio a uma crise econômica, sem conseguir agradar a seus apoiadores de costume e sofrendo oposição massiva, o governo se vê sem saída.
Achou familiar? Reconheceu algo? Deveria mesmo. Aconteceu tudo no seu país, em momentos que antecederam o golpe de 64.

*Referências:

(1) Plano Cohen, Getúlio.
(2) JK e Jango.
(3) Carta Brandi, Jango e o governo argentino.
(4) JK e o imóvel na Vieira Souto.
(5) Carlos Lacerda, tio-avô de Márcio Lacerda (prefeito de Belo Horizonte).
(6) Marcha da família, com Deus, pela liberdade.

Release: PEARL JAM – Belo Horizonte 20/11/2015

Lá pelos idos de 2000, quando tinha uns nove anos, lembro-me de ter escutado o timbre de uma voz memorável: meu irmão, Di, estava escutando Live on Two Legs num volume intenso em nosso quarto. Era meu primeiro contato com o Pearl Jam (do qual me recordo).
Quinze anos passados, a banda finalmente aportou em território mineiro. E não pude deixar de experimentar uma sensação semelhante àquele momento quando Ed falou em seu português minguado: “Vamos começar dizendo algo que nunca dissemos antes: E aí Belo Horizonte?”.
Bandeiras de Minas foram agitadas com empolgação e veio uma sequência destruidora: Small Town, Go, Mind Your Manners e Once. Nessa última, a empolgação contagiou Ed que, a certa altura, lançou o microfone para os fãs na pista cantarem. Got Some e Rearviewmirror ainda completaram a sequência de abertura fazendo o público delirar.
Given to Fly trouxe consigo belíssimas imagens aéreas de Belo Horizonte captadas por um drone, num momento no qual o setlist foi invadido por músicas menos conhecidas do grande público, como Pilate, Infallible, I’m Open e Satan’s Bed.
Por mais de uma vez, Ed falou a respeito da catástrofe em Mariana, lamentando o fato de que, mesmo após o ocorrido, as empresas continuarão a lucrar. Disse, ainda, que os cachês do show seriam doados às vítimas atingidas. Trata-se de mais um gesto humano de uma banda com longo histórico de engajamento político, ambiental e, principalmente, social.
O Pearl Jam sustenta a Vitalogy Foundation, instituição muito ativa em diversos campos, além de se envolver com campanhas sociais (pro-choice, pro-vote) e anti-belicistas (contra a guerra do Iraque). Fora isto, ainda foram alguns dos artistas que fizeram ostensiva campanha a favor de Obama e contra Bush filho (Bu$hleaguer, World Wide Suicide), demonstrando que entendem a importância de artistas se posicionarem politicamente.
No primeiro bis, um set acústico com uma ótima sequência: Bee Girl, Sleeping by Myself, Imagine e Sirens, acompanhadas pelas vozes do público em altíssimo volume. Seguiu-se uma homenagem à tragédia francesa com um cover de Eagles of Death Metal - I Want You So Hard e, depois, Do the Evolution. Entre Corduroy e Porch, ainda houve tempo para uma surpresa curiosa: Stone cantando Mankind, algo raro de se presenciar.
Garden e Confortably Numb abriram o último terço do show, seguidas dos usuais hits de despedida. Ed ainda se referiu à capital como ‘BH’, numa intimidade que construíra com o público ao longo do show, comentando o lindo fato de ter jovens crianças nos ombros de seus pais ainda nas primeiras filas da pista.
A insana lógica de lucro capitalista foi comentada novamente por Ed, lembrando que o desenvolvimento usado como justificativa parece alcançar pequena parcela da população, enquanto os danos chegam a todos. A mesma lógica que não permitiu meu irmão estar no show comigo ou destruiu a vida de milhares de pessoas de Minas Gerais.
E ainda destruirá outras tantas.




Release: PEARL JAM – São Paulo 14/11/2015

Ao apagar dos refletores do Morumbi às 20h45, sabíamos que as próximas horas seriam inesquecíveis. Como que num aceno para aqueles que acompanham a banda mais de perto, o Pearl Jam abriu o show com duas músicas pouco conhecidas do grande público: Long Road e Of the Girl.
E, não diferente do esperado, já antes da terceira música, Vedder recita um forte texto de sua autoria sobre os recentes atentados na capital francesa, seguido de Love Boat Captain – uma canção sobre a necessidade urgente do amor entre humanos –, Do the Evolution – um manifesto contra a ganância e a violência – e Hail, Hail – uma celebração do amor entre um casal. Dali em diante, percebemos qual seria o fio narrativo condutor da noite.
Ao chegar a Lightning Bolt, os deuses pintaram o céu de vermelho, complementando a decoração principal do palco, e começou a relampejar e ventar de maneira assustadora, fazendo Vedder soltar um “What the fuck?!”. O show teve que ser interrompido por algum tempo e, enquanto algumas medidas de segurança eram tomadas, Vedder tocou Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town em voz e violão, de improviso. Algo que não impediu a produção de também improvisar um esquema de luzes para a música, aumentando, por exemplo, a intensidade da iluminação do público no momento em que Vedder canta: “I just want to scream, hello!”.
E, cabe salientar, a produção do show é sutil e espetacular. A estratégia de iluminação, na entrada dos músicos em palco, usa de luzes traseiras que ressaltam suas silhuetas e não permitem que seus rostos fiquem diferenciáveis, aumentando a expectativa do público. As imagens no telão começam em tons cinzas que se valem de efeitos de frame rate reduzido produzindo resultados interessantes; à meia altura do show, tornam-se coloridas e trazem uma fotografia em tons quentes, auxiliada pelas luzes amarelas de ataque frontal aos artistas.
Com Given to Fly, uma surpresa ocupou os telões: imagens aéreas do público entrando no estádio antes do show, captadas por um drone, numa espécie de câmera subjetiva mostrando o ponto de vista do eu lírico da canção - a inserção das imagens coincide com os altos da música.
Na volta para o primeiro bis, a sequência mais intimista e o ponto alto do show. A saudosa Footsteps, seguida por um lindo cover de Imagine e a recente Sirens. Antes de executar a canção de Lennon, Vedder comenta novamente sobre os atentados, pontuando como nos estimulam a seguir nosso sonhos quando somos jovens e o quanto é triste que por vezes esses sonhos se relacionem a machucar pessoas. Ao iniciar a música, o estádio é tomado por luzes pontuais que tornam o momento memorável, juntamente com o grande desempenho da voz de Vedder. A câmera, que realizava um travelling ao longo do público, subitamente estaciona ao encontrar um celular com a bandeira da França em sua tela, enquanto a letra da canção nos lembra de como poderíamos viver em paz, compartilhando o planeta como cidadãos globais.
Quando são cantados os versos de Sirens: “It's a fragile thing, This life we lead, If I think too much, I can get over. Whelmed by the grace, By which we live our lives, With death over our shoulders”, não pude deixar de lembrar o quanto é triste termos que nos habituar com a morte de seres humanos causadas, direta ou indiretamente, por outros seres humanos – seja o terrorismo na França, a violência dos monges budistas no Sri Lanka e Myanmar, a fome na África ou o descaso de megaempresários no Brasil.
A dupla Blood e Porch encerra então o primeiro bis em alto e bom Rock & Roll, enquanto prometia o fim que se aproximava. E não por menos.
O segundo bis foi aberto com Comatose, seguida de alguns hits de início de carreira: State of Love and Trust, Black, Alive, Rockin’ the Free World e Yellow Ledbetter – as três últimas já com os refletores acesos, numa longa despedida de mais uma passagem da banda por terras latino-americanas. Ao encerrar a última música, a banda notou que o público não pretendia deixar o estádio tão facilmente. Se entreolharam e resolveram tocar uma saideira não prevista: All Along the Watchtower, aumentando um setlist que já era gigantesco. Antes de sair do palco, Eddie ainda proferiu algumas palavras sobre os atentados e confessou como a banda estava apreensiva em realizar um show no dia seguinte às tragédias e sobre a necessidade de exercemos mais a capacidade de empatia e amor ao próximo.
Assim, o Pearl Jam mostrou todo o seu potencial como veteranos do Rock & Roll que são, trazendo músicas ‘lado-b’ para os fãs mais inveterados, hits explosivos para o grande público e energia de sobra para todos.
E, mais importante do que tudo isso, uma celebração de arte e amor.