quarta-feira, 25 de maio de 2016

ANATOMIA DE UM GOLPE

O golpe de estado, que já estava escancarado, está agora comprovado.

Dessa vez, ao menos, não teremos que esperar anos para entender as relações entre golpistas.

Conforme foi exaustivamente apontado ao longo dos últimos meses, está provada a participação da ‘grande’ mídia, do STF, do Senado, do Parlamento e do exército.

A contar a participação de cada setor dentro dos limites nacionais, o processo pode ser denominado Golpe de Estado Midiático-Judicial.

Ficou comprovada também a não representatividade do parlamento em relação ao povo (“O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara?”).

Enquanto isso, a Folha vai fazendo vazamentos seletivos, entregando os bastidores do golpe que lhe convém.

Nos vazamentos, fica claro como pretendiam usar o poder conciliador de Lula para acalmar os setores golpistas. Porém, concluem, a partir da polarização instalada pela mídia golpista, que a nomeação serviria somente para chamar os movimentos sociais para a briga contra o golpe e não para acalmar o mercado - leia-se, o grande capital. (“Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?”)

Já nos recentes vazamentos dos Wikileaks, ficou demonstrado que Temer atuava como uma espécie de informante de Washington no Brasil e que, além disso, os EUA tinham total noção de que o PMDB não era o partido de confiança que eles precisavam.

Nesse meio tempo, Temer vai revisando a obrigação de participação da Petrobras na exploração do Pré-sal.

Enquanto isso, os EUA vão construir uma base militar na tríplice fronteira (Argentina, Brasil, Paraguai) com o aval de Macri. Segundo Obama, a instalação tem o objetivo de manter a paz e enfrentar os desafios trazidos pelas alterações climáticas.

E aqui, como noticiou a Folha, o Itamaraty, sob a batuta de José Serra, orienta os diplomatas ao redor do mundo a desmontarem a tese de golpe no Brasil. Mesmo depois de comprovada.

Se não são muito inteligentes (espertos sim, inteligentes não), os golpistas ao menos sabem seguir a cartilha de golpe desenvolvida e exaustivamente utilizada há décadas, já que estão fazendo do jeitinho que foi feito no Paraguai, Venezuela, Honduras e Haiti.

Quer dar um golpe em algum lugar? É simples. Em resumo: compre o apoio de meios de comunicação. Compre a cooperação golpista dentro do sistema político. Instaure profunda crise política. Esgote as instituições democráticas. Force a destituição tentando dar um ar de legalidade.

Chegado esse ponto, faça como preferir: coloque militares no poder, entregue o comando a alguma facção armada que você sustenta ou exija eleições gerais e lance seu candidato com todo o apoio financeiro e midiático.

terça-feira, 10 de maio de 2016

À DEFESA DA DEMOCRACIA

Aos alunos e alunas das ocupações de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e de cada canto do Brasil que se levantaram para a defesa de seu direito à educação. Vocês são o futuro.
 
Aos políticos, artistas e opinantes diversos que se postaram em defesa da democracia. Vocês promovem as bases das mudanças que estão por vir.
 
Às instituições e movimentos que entenderam a importância de seu posicionamento, a exemplo da UNE, UBES, Frente Brasil Popular, Brigadas Populares, MST, MTST e todas as outras. À Frente Povo Sem Medo que faz golpista pisar ligeiro.
 
Às mulheres que assistiram à presidenta de seu país ser xingada de todas as formas machistas (in)imagináveis e estiveram ao seu lado na luta por igualdade e respeito. Ficou bem claro qual é o sexo frágil e como ele costuma posar de terno e gravata.
 
Aos professores e professoras da rede pública que, não bastasse terem que lutar diariamente pelas suas condições de trabalho e pelo ensino de qualidade para seus alunos, ainda se mobilizaram e se empenharam para se fazerem ouvidos sobre a História.
 
Aos militantes da velha guarda que, mesmo já não tendo a saúde de outrora ou a esperança juvenil, voltaram às ruas para barrar o assalto ao poder executivo.
 
Aos latino-americanos que saíram em defesa do Brasil. Especialmente, aos milhares de argentinos, colombianos, uruguaios, chilenos e mexicanos que foram às ruas para protestar contra um dos golpes mais escancarados da história da política. Sonho com o dia em que meu povo tenha uma solidariedade política semelhante com nossos vizinhos latino-americanos.

Obrigado.
 
Seguimos juntos, pois, como dizem nossos irmãos latinos: tentaram nos enterrar. Não sabiam que éramos sementes.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

ORDEM E CAOS

Após 49 anos, a sessão que afastou Jango da presidência em 1964 foi anulada, em reconhecimento de sua ilegitimidade (adivinhem se na época o processo também tentou soar como "ato jurídico legal").

O processo mais importante que pode existir num sistema democrático é aquele relacionado ao cumprimento ou não do mandato do mais alto cargo executivo, ou seja, um processo de impeachment. Assim sendo, tão importante quanto ser legal, é ser legítimo.

Somente me atendo aos absurdos do processo em curso no Brasil:

- Foi aberto como retaliação ao não apoio do PT à Cunha na comissão de ética;

- Teve a votação conduzida no parlamento por um réu no STF que viria a ser afastado do cargo com um confortável atraso de 18 dias (mesmo os juízes estando com o processo de Cunha na mão desde Dezembro);

- A peça de acusação, base do processo, conforme depoimento em vídeo de Janaína Pascoal, foi paga pelo PSDB -  o mesmo partido cujo integrante foi designado para relator do relatório no Senado. O preço da peça? 45 mil reais.

Nesse meio tempo, o Parlamento se levantou contra o Executivo e o STF assistiu a tudo de braços cruzados e, quando agiu, o fez com uma lentidão constrangedora.

Independentemente do que o Senado disser sobre o processo de impeachment, o presidente da câmara, Waldir Maranhão, acaba de apontar "vícios jurídicos" no rito. Dessa forma, a matéria passa, obrigatoriamente, a fazer parte da alçada do STF, que deve garantir a legitimidade de todo o rito do processo (não foi suficiente a demora de meses no afastamento de Cunha?).

E não há nada de bom sobre Waldir Maranhão. Se ele estiver, direta ou indiretamente, envolvido na escalada do golpe, nada de inesperado. Se ele realmente estiver ao lado da democracia, que pena de um país que depende da ação desse sujeito para preservar seu estado de direito. Das duas formas, a reforma política dos sistemas eleitoral e representativo brasileiros se mostra emergencial.

Se o que ocorre no Brasil soa como peça de ficção, é porque interesses políticos escusos estão acima das responsabilidades daqueles que deveriam governar para o povo.

As instituições democráticas brasileiras se mostram cada vez mais falidas e sem conseguir exercer seu papel democrático de origem. A resposta para o caos político implantado em 64, a gente bem lembra qual foi.
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Enquanto isso, Dilma sinaliza estar em sintonia com as ruas.

Em seguida a cada grande mobilização popular pela democracia ou a mudanças no processo do golpe, ela dá suas respostas: sancionamento de Lei que eleva imposto de renda sobre ganho de capital relacionado à venda de imóveis; desapropriação de terras para a reforma agrária; regularização de territórios quilombolas; homologação de terras indígenas; criação de cinco universidades federais; aumento de 9% no bolsa-família; construção de 25 mil moradias pelo Minha Casa, Minha Vida; prorrogação do Mais Médicos por três anos; e o desengavetamento de outras políticas sociais.

As frentes populares devem continuar a exercer toda a pressão. Conforme prevê a constituição, é essencial que:

(i) promova-se a auditoria cidadã sobre a dívida externa;

(ii) mude-se o sistema de impostos do Brasil, deslocando o fardo dos impostos sobre o consumo para aquele sobre rendimentos e fortunas;

(iii) garanta-se a soberania econômica nacional por meio dos recursos nacionais estratégicos;

(iv) implemente-se a reforma política nos sistemas eleitoral e representativo, buscando uma maior participação política popular e melhor funcionamento das instituições democráticas;

(v) acabe-se com o oligopólio dos meios de comunicação – informação é poder e este não pode se concentrar nas mãos de meia dúzia de famílias milionárias.

Enquanto as instituições democráticas não funcionarem segundo o nome que ostentam, e estes pontos acima não forem alcançados, as ruas têm que gritar a plenos pulmões.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

REDESCOBRIR A ESPERANÇA

“Um cocheiro filósofo costumava dizer que o gosto da carruagem seria diminuto se todos pudessem andar de carruagem”. 
Memórias Póstumas de Brás Cubas

Enfim, teve golpe. Assim acaba o mais duradouro período democrático moderno brasileiro. Minha geração foi recordista.

Meus cumprimentos a todos os envolvidos, direta e indiretamente, no golpe dado no Brasil. Vocês colocaram um sujeito ficha-suja no poder (isto é, se amanhã houvessem eleições, ele não poderia nem se candidatar).

Deputados, senadores, magistrados, "jornalistas", "colunistas", parte da sociedade civil. Vocês conseguiram de maneira notória.

E como eu era inocente. Desde 2011 venho alertando sobre a escalada do golpe, mas, no fundo, nunca achei que realmente era viável concluí-lo no Brasil do século XXI – uma das principais economias globais, o país mais forte do bloco da UNASUL (ou era, ao menos), um exemplo para o mundo em relação a políticas sociais e de combate à fome, como disse a ONU...

Na era da internet, subestimei o poder da mídia oligárquica hegemônica em terras nacionais. Eles souberam usar a internet para dividir e conquistar – mais clássico, impossível. Dividiram a sociedade, dividiram a esquerda, dividiram os progressistas, dividiram os estudantes. Enquanto isso, panfletos políticos semanais, jornais que não deveriam assim serem chamados e as "grandes" emissoras trataram de desmobilizar o povo. Quando as ruas notaram o golpe rasteiro em curso, ele já estava muito bem encaminhado.

Alguns sucumbiram à inocência. Outros à desinformação. Outros ao desânimo. Outros à incoerência. Outros ao ódio de classe. Outros ao macarthismo. Outros à má-fé. Outros à vaidade intelectual.

Num dos movimentos mais sutis e geniais, conseguiram emplacar a impressão de polarização política, fazendo com que muitos não se entregassem a nenhuma causa, achando que, assim, seriam mais justos e razoáveis. Fizeram com que naõ se percebesse que a luta não era esquerda X direita, PT X PSDB-PMDB, democracia X golpe. Era tão somente a velha luta de classes com roupagem de século XXI, ou melhor dizendo,  interesses do povo X a força do capital.

Em tempos de tamanha globalização da informação, a repercussão internacional não permitirá o golpe”, pensava eu. Inocente, mais uma vez. Toda a denúncia feita nos cinco continentes e o apoio recebido dos mais diversos setores da sociedade, desde prêmio Nobel até Pulitzer, não foram suficientes frente à maior força já inventada na história da humanidade: o dinheiro.

Por meio de esquemas de toda sorte, os deputados, os senadores, o STF, a mídia oligárquica, os três poderes, a sociedade civil, foram todos colocados de joelhos. Vocês, golpistas, deixariam Huxley, Bradbury e Orwell boquiabertos.

E, como sempre, o fardo está sobre os mais pobres. Em tempos de crise e instabilidade política, uns deixam de viajar para o exterior, outros deixam de almoçar todo dia. Nas periferias, favelas e morros é onde o golpe dói mais.

Mas talvez, agora, a sociedade brasileira tenha evoluído em alguns aspectos. Talvez tenha sido entendido que a agenda social de um governo que olha também pelos mais necessitados não consegue conviver muito tempo com os detentores do grande capital sem que surjam conflitos de interesse.

Talvez tenha entendido a importância da união latino-americana frente aos interesses do capital. Honduras e Paraguai já haviam alertado o continente sobre os tempos que vivíamos. Não demos ouvidos. Talvez agora as pessoas reconheçam que não se trata de mera casualidade o fato de o governo federal brasileiro ser o terceiro a cair na América Latina num período de menos de 10 anos.

Mas, será que entendemos mesmo? Ou estou sendo inocente mais uma vez?


Como um animal que sabe da floresta, memória
Redescobrir o sal que está na própria pele, macia
Redescobrir o doce no lamber das línguas, macias
Redescobrir o gosto e o sabor da festa, magia

Vai o bicho homem fruto da semente, memória
Renascer da própria força, própria luz e fé, memória
Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós, história
Somos a semente, ato, mente e voz, magia

Não tenha medo, meu menino povo, memória
Tudo principia na própria pessoa, beleza
Vai como a criança que não teme o tempo, mistério
Amor se fazer é tão prazer que é como fosse dor, magia